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A arte de influenciar: como maximizar o impacto em um mundo complexo e interconectado

Ação humanitária / Análise / Diplomacia humanitária 11 mins read

A arte de influenciar: como maximizar o impacto em um mundo complexo e interconectado

Oração fúnebre de Péricles na nota de 50 Drachmai de 1955 da Grécia. Famoso discurso proferido no final do primeiro ano da Guerra do Peloponeso (431-404 aC) como parte do funeral público anual dos mortos na guerra.

O ambiente humanitário sofre pressões cada vez mais fortes – principalmente a redução de seu espaço e seus recursos financeiros –, portanto, a necessidade de influenciar autoridades e doadores nunca foi tão grande. Mas como fazer isso?

Neste texto, o assessor diplomático do CICV, Nick Hawton, comenta o que aprendeu nos campos da comunicação e da diplomacia e expõe modos de maximizar as chances de influenciar as pessoas que atualmente formam opiniões e tomam decisões.

Uma vez, em outro lugar e há muito tempo, fui cercado por umas vinte ou trinta pessoas encapuzadas e mascaradas que se aproximavam lentamente de mim e, sem sombra de dúvida, ofereciam a chance de reduzir minha expectativa de vida. Atrás delas, labaredas saíam dos edifícios que tinham acabado de incendiar e iluminavam o céu noturno. O odor pungente de óleo queimando invadia minhas narinas. Não havia nenhuma autoridade por perto. Pelo olhar nos rostos daquela multidão enlouquecida, havia um desejo claro de passar dos edifícios às pessoas, e eu era o primeiro da fila. Foi um daqueles momentos em que a gente sente o calor do agora, a pura imprevisibilidade do momento. Paradoxalmente, a gente se sente vivo.

De repente, um colega meu apareceu do nada, abriu caminho pela multidão, falou de modo claro e assertivo com o líder do grupo, me puxou pelo ombro, me tirou do meio da multidão e saímos caminhando pela rua. Dois minutos depois, estávamos no carro dele deixando o tumulto para trás naquela cidade do norte da Europa. Eu não parava de agradecer por ele ter se arriscado para me ajudar. Perguntei como tinha conseguido fazer aquilo, como conseguiu convencer o líder a deixá-lo passar, a me libertar. De um jeito descontraído e pragmático, ele respondeu: “Ah, eu tenho experiência. Sei como são essas coisas. Você só precisa ser confiante.”

A capacidade de persuadir ou influenciar os outros é um processo complexo, que envolve muito mais que confiança. É um processo em que estamos constantemente envolvidos, no âmbito pessoal ou profissional, aproveitando de tudo: da psicologia humana e da neurociência às habilidades de comunicação e até mesmo o acaso. Livros, palestras, workshops e comitês tentaram compreender como influenciar melhor. Temos até “influenciadores” profissionais nas redes sociais. O livro “As armas da persuasão”, de Robert Cialdini, tornou-se uma referência contemporânea, particularmente para o mundo corporativo. Mas também podemos consultar o poeta persa do século 12, Attar de Nixapur, para aprender técnicas de influência e persuasão.

Para os propósitos deste texto, usarei “influência” e “persuasão” como sinônimos. Mas há diferenças sutis: persuadir é sempre um ato explícito, o que não necessariamente acontece com influenciar. A persuasão costuma ser mais específica e mais direcionada, enquanto a influência pode ser mais ampla. Mas o ponto de coincidência entre os termos é evidente.

A equação da influência

Minha própria autoridade para falar destas questões não se baseia em investigação acadêmica nem formação científica, mas sim na experiência bruta: uma carreira que me levou do jornalismo à diplomacia e ao trabalho humanitário. A necessidade profissional de influenciar ou, mais precisamente, de comunicar para influenciar, tem sido um requisito constante: persuadir o criminoso de guerra a dar uma entrevista, incentivar um ministro do governo a assinar um acordo, convencer as autoridades a conceder acesso a uma prisão. No mundo humanitário, os riscos podem ser bastante altos e vidas – muitas vidas – podem literalmente depender da capacidade de influenciar.

Considero que existem certas regras de ouro, determinadas práticas, certos princípios, que maximizam – e enfatizo a palavra “maximizar”, pois não há nenhuma garantia no processo de influenciar – as chances de sucesso.

A primeira é a simples capacidade de ouvir. Ouvir no sentido mais amplo. Você precisa ouvir as palavras do interlocutor, da pessoa que você quer influenciar. Você tem que ouvir o tom, a ordem das palavras. Ouvir o que não é dito. Mas, mais do que isso, você precisa “ouvir o ambiente”. Ouça o contexto. Compreenda seu interlocutor e o ambiente em que ele opera. Afinal, como pretender influenciar sem saber exatamente quem ou o que você está tentando influenciar? Vou dar um exemplo.

Entre o deserto e o profundo mar azul, erguia-se nosso resplandecente hotel. A cidade e o país haviam sido dilacerados pelo conflito armado. Como de costume, quem estava na linha de frente do sofrimento era a população local. O hotel era o ponto de encontro de políticos, soldados, espiões, diplomatas e empresários: as pessoas que detinham a chave para o futuro e a redução do sofrimento. Meu trabalho era tentar conversar com essas pessoas, entendê-las, compreender suas motivações para fazer meu trabalho pelo bem do povo. Mas minha postura padrão era sempre ouvir: “receber”, em vez de “transmitir”. Para entender o que estava acontecendo. Ao ouvir, além de aprender, você também respeita seu interlocutor. E o respeito é o primeiro passo do caminho para influenciar.

Uma noite, deitado no chão do banheiro do hotel (banheiros são um dos lugares mais seguros quando projéteis e balas voam em todas as direções), ouvindo o barulho do combate vindo do lado de fora, de capacete e com cédulas de cinquenta euros enfiadas nas meias, pronto para uma fuga rápida, influenciar não era um pensamento prioritário na minha cabeça. Algumas semanas depois, o hotel foi destruído pela explosão de uma bomba. Mas não estávamos mais lá, tínhamos previsto isso. É preciso conhecer muito bem quem ou o que você pretende influenciar e o contexto em que você tenta exercer influência.

Depois de ouvir seu interlocutor e prestar atenção ao contexto, deve-se implementar o segundo princípio: a comunicação simples. Em um mundo cada vez mais complexo, nossos processos cognitivos correm constantemente o risco de sobrecarga. Nossa capacidade de processar informações e diferenciar entre o importante e o irrelevante está cada vez mais prejudicada. A necessidade de simplificar é cada vez mais importante, até mesmo decisiva.

É claro que existe o perigo de simplificar excessivamente situações complexas. Não há melhor professor do que a história do século 20. E agora, com o advento da rápida comunicação de massa, informações enganosas e falsas se espalham a uma velocidade sem precedentes. Portanto, todos nós temos a responsabilidade moral de ser justos e precisos quando simplificamos. Mas precisamos simplificar para persuadir e influenciar.

Quando estiver em contato com a missão permanente de um Estado em Genebra a fim de obter uma doação de milhões de francos suíços, vá direto ao ponto. Não complique demais, se expresse de modo claro. Se estiver escrevendo um discurso sobre a tragédia humanitária que é o Iêmen hoje, não use meias palavras. O mal-entendido é inimigo da influência. Fale a verdade com clareza e precisão. Transmita uma mensagem clara e um argumento coerente. Não complique. Isso aumentará sua capacidade de influenciar.

O terceiro elemento da equação da influência, depois de ouvir e simplificar, é aquela velha amiga, a honestidade, crucial no ambiente humanitário. Nesses contextos de alto risco, em geral há muita consciência do que importa e do que não importa, do que é verdade e do que não é.

Se um chefe de polícia local estiver brincando com o gatilho da pistola, suando nervosamente e com um ar desconfiado enquanto você pede acesso à vala comum atrás dele, não seria recomendável contar uma mentira deslavada. Não valeria a pena arriscar as consequências de ser descoberto. Se você estivesse tentando persuadir um líder comunitário cujos familiares estão na mesma vala comum a conversar com você, atenha-se à verdade.

Quando quiser influenciar e persuadir, sempre é melhor ater-se à verdade. Não é preciso nem dizer que a honestidade é (quase) sempre a melhor política, especialmente quando o mundo atravessa um período em que a santidade da honestidade foi questionada até mesmo nas mais altas esferas do poder. Embora não seja um fenômeno novo, a desonestidade cresceu e se tornou mais óbvia na era da rápida comunicação de massa. A honestidade também tem o efeito extremamente benéfico de ajudar a criar confiança, um ingrediente essencial no processo de influência.

E assim chegamos à fórmula da equação para influenciar: a soma de escuta, simplicidade e honestidade é a influência.

O poder das histórias

Algo mais deve ser considerado ao tentar maximizar a influência: formule seus esforços nos parâmetros de uma narrativa, de uma história.

Nosso cérebro está programado para compreender histórias. Desde tempos imemoriais, as histórias constituíram a base da comunicação humana. Elas dão estrutura à nossa experiência. Elas divertem e ensinam ao mesmo tempo. Existe alguma coisa mais cativante do que uma boa história? Por que os anunciantes se concentram tanto em inserir seus produtos no contexto de uma história? Por que lemos histórias para as crianças na hora de dormir? Porque elas funcionam.

No contexto da discussão sobre como influenciar, precisamos usar, sempre que possível, o formato de estrutura (ou “narrativa”) para aprimorar a transmissão de nossa mensagem. Mas não é uma história qualquer. Assim como um bom discurso, a história deve ser direcionada para o público em questão. O autor da história precisa conhecer e entender o público (o componente de “escuta” da nossa equação). As melhores histórias são fáceis de entender (a “simplicidade”). As histórias mais críveis são aquelas que soam verdadeiras (a “honestidade”).

Podemos definir as histórias de várias maneiras, mas elas costumam envolver um ou alguns personagens que passam por uma série de acontecimentos ou incidentes. A sequência de acontecimentos pode ser verdadeira ou fictícia, mas eles estão interligados e, em geral, envolvem um desafio ou problema e a tentativa de resolvê-lo. No campo humanitário, sabemos que é muito mais potente contar a história de um indivíduo do que a de dezenas de milhares de pessoas. O ser humano tem mais facilidade de se conectar e se identificar com uma pessoa do que com muita gente.

O que deixamos para trás

Nossa capacidade de comunicação para influenciar pode ser treinada e aprimorada. Alguns modos de contar histórias – ou narrativas – são mais eficazes do que outros. É possível aprender essas coisas. Mas, em minha experiência, os princípios fundamentais de como influenciar giram em torno da escuta, da simplicidade e da honestidade básica. Se seguir esses passos, você conseguirá estabelecer a confiança e terá a capacidade de influenciar que busca.

Naturalmente, resta então o enigma final de avaliar, ou mensurar, até que ponto as tentativas de exercer influência foram bem-sucedidas ou não. Qual foi o acontecimento ou ação que conseguiu influenciar X a fazer Y? Sempre será difícil avaliar isso, dada a natureza complexa da relação entre causa e consequência. Talvez nunca se saiba as razões exatas pelas quais algo aconteceu do jeito que aconteceu. Suposições inteligentes podem ser boas aliadas nisto. Talvez a última palavra deva ser de Péricles, o general e político grego que resumiu da seguinte forma, talvez de modo profundo, o que qualquer um de nós, seres humanos, pode influenciar:

“O que você deixa para trás não é o que fica gravado em monumentos de pedra, mas o que fica tecido na vida de outros.”

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