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Um apelo para tornar o Direito Internacional Humanitário uma prioridade política

Análise / Condução das hostilidades / Diplomacia humanitária / Princípios humanitários / Promover o respeito pelo DIH / Responsabilização 9 mins read

Um apelo para tornar o Direito Internacional Humanitário uma prioridade política

Enquanto os impactos devastadores dos conflitos armados continuam aumentando, a população enfrenta um sofrimento inimaginável. As violações do Direito Internacional Humanitário (DIH) agravam estas crises, ao mesmo tempo em que ameaças emergentes, como as armas autônomas e a guerra cibernética, acrescentam novas dimensões aos desafios que a humanidade enfrenta. Apesar da ratificação universal das Convenções de Genebra, a erosão do respeito por estas normas fundamentais da guerra põe em perigo vidas, infraestruturas e as frágeis perspectivas de paz.

Neste post, a presidente do CICV, Mirjana Spoljaric, descreve a necessidade premente de os Estados aderirem à Iniciativa Global sobre o Direito Internacional Humanitário. Ao reafirmarem o seu compromisso com este tão necessário conjunto de leis, os Estados podem garantir a proteção dos civis, restaurar a dignidade das pessoas afetadas pelo conflito e construir um caminho para uma paz sustentável. O momento de agir é agora e a Iniciativa Global oferece uma plataforma de ação coletiva para defender as normas que salvaguardam a humanidade.

O mundo enfrenta um momento crítico: um momento em que a nossa humanidade compartilhada é ao mesmo tempo testada e necessária. No mundo todo, de Gaza ao Sudão, de Myanmar à Ucrânia, o conflito deixa cicatrizes profundas na vida de milhões de pessoas.

Os civis suportam o peso destas crises: comunidades desenraizadas, famílias destroçadas e infraestruturas vitais destruídas. Além deste fardo, estão os desafios emergentes – armas autônomas, guerra cibernética e inteligência artificial – que ameaçam contornar os marcos que há muito regem a condução da guerra.

Forjadas após os momentos mais sombrios do mundo, as Convenções de Genebra se esforçam por proteger um mínimo da humanidade na guerra. Não são apenas acordos entre Estados: são compromissos com a nossa humanidade coletiva; normas que protegem os civis, salvaguardam as infraestruturas e garantem o tratamento humano de todos em tempos de conflito. Mas estas normas de guerra são tão fortes quanto a nossa determinação de defendê-las.

A crescente normalização das violações do Direito Internacional Humanitário (DIH) representa uma ameaça existencial às Convenções de Genebra e ao DIH de forma mais ampla. Esta tendência alarmante exige uma ação coletiva urgente.

Esta não é uma questão teórica. É uma realidade que afeta milhões de pessoas todos os dias e que acarreta um custo financeiro impressionante de centenas de bilhões de dólares.

Por esse motivo, o CICV, juntamente com África do Sul, Brasil, Cazaquistão, China, França e Jordânia, lançaram uma iniciativa global para revigorar o compromisso político com o DIH. Na semana passada, durante a Assembleia Geral da ONU, convidei os Estados membros a juntarem-se a nós nesta iniciativa para responder alguns dos desafios mais prementes enfrentados pelo DIH.

Por que precisamos da Iniciativa Global agora

A Iniciativa Global é um esforço excepcional porque a situação atual assim o exige.

Não é apenas uma resposta às crises que vemos hoje, mas um esforço proativo para garantir um futuro no qual as normas fundamentais da guerra sejam respeitadas e defendidas. O DIH proporciona o marco para reduzir o sofrimento, restaurar a dignidade e construir pontes para a reconciliação. Porém, estas leis só são eficazes se os Estados tiverem vontade de aplicá-las.

Os desafios são gritantes. Os civis continuam sendo alvos impunes e hospitais e escolas – lugares de esperança e que deveriam ser um santuário – são atacados. A fome é usada como arma de guerra. Ao mesmo tempo, os avanços tecnológicos, desde as armas autônomas às capacidades cibernéticas, levantam questões complexas sobre como aplicar o marco existente. A politização das preocupações humanitárias, que tem frustrado os esforços multilaterais para prestar ajuda e proteger quem mais necessita, agravam essa situação.

Embora muitas vezes os conflitos armados dominem as manchetes, a responsabilidade pela defesa do DIH não cabe apenas às partes em conflito. Preservar a integridade das leis que protegem a humanidade é um dever compartilhado de todos os Estados, quer estejam diretamente envolvidos nas hostilidades ou não.

A Iniciativa Global sobre o Direito Internacional Humanitário procura enfrentar estas realidades. Oferece aos Estados um caminho para reafirmar as normas do DIH ao estabelecer padrões amplamente aceitos para a condução da guerra, para recuperar o seu papel como guardiões destas leis essenciais e para garantir a sua aplicação em conflitos no mundo todo.

O objetivo e os fluxos de trabalho da Iniciativa Global

Para a alcançar estes objetivos, a Iniciativa foi concebida de modo a quebrar os silos tradicionais e reunir os Estados para oferecer recomendações concretas sobre como melhorar o respeito pelo DIH. Os Estados trabalharão com especialistas jurídicos do CICV em sete áreas de trabalho.

Alguns se centrarão na prevenção, com esforços destinados a promover boas práticas, reforçar as comissões nacionais sobre o DIH e explorar as ligações entre o cumprimento destas leis e a paz sustentável. Outros abordarão questões jurídicas e operacionais críticas, incluindo a proteção das infraestruturas civis, a salvaguarda dos hospitais em conflitos armados, a regulamentação do uso de tecnologias de informação e comunicação na guerra e a modernização das normas da guerra naval.

Estes fluxos de trabalho são concebidos para produzir recomendações concretas e viáveis que não só reforçarão o respeito pelo DIH, mas também garantirão a sua relevância no enfoque das realidades dos conflitos atuais. Reunirei um conselho consultivo global de alto nível para ajudar a orientar o processo político nos próximos dois anos.

Até 2026, estes esforços culminarão em uma reunião histórica, na qual os Estados tomarão medidas concretas para garantir a relevância duradoura do DIH. Este não é um exercício passivo: é uma declaração de intenção de salvaguardar a humanidade para as próximas gerações.

Por que os Estados devem aderir à Iniciativa Global

O sucesso da Iniciativa Global depende da participação ativa dos Estados. Como principais guardiões do DIH, os Estados têm a responsabilidade e o poder de provocar mudanças significativas. Aderir a esta iniciativa não é apenas um ato de liderança – é uma reafirmação de valores compartilhados e um compromisso com um mundo mais humano.

Para os Estados, esta iniciativa oferece as ferramentas para reforçar as suas capacidades, desde melhorar a formação militar até reforçar os marcos jurídicos nacionais. Os benefícios vão além das fronteiras nacionais. O respeito pelo DIH reduz o custo humano dos conflitos, mitiga os ciclos de violência e promove condições para uma paz duradoura.

A história nos mostra que quando as normas da guerra são ignoradas, a violência aumenta sem controle, desestabilizando as sociedades e ameaçando a segurança global. Ao aderirem à Iniciativa Global, os Estados reafirmam que mesmo nos tempos mais sombrios a nossa humanidade compartilhada deve prevalecer.

Uma responsabilidade compartilhada

A Iniciativa Global sobre o Direito Internacional Humanitário é mais do que um programa. É uma promessa coletiva que transcende fronteiras e política. É um testemunho dos valores que temos em comum e um apelo à defesa dos princípios que nos definem como comunidade global.

Insto todos os Estados a aderirem à Iniciativa Global e permanecerem conosco na defesa dos princípios mais sagrados da humanidade. Esta não é uma tarefa para amanhã. É uma responsabilidade para hoje.

Preservar a dignidade humana em conflitos armados

Em 28 de janeiro, o presidente da Assembleia Geral da ONU, Philémon Yang, convocou um diálogo interativo informal sobre “Preservar a dignidade humana em conflitos armados: promover a conformidade com o DIH.” Este evento emblemático do seu mandato contou com o discurso de abertura do próprio presidente Yang e do coordenador de Ajuda de Emergência, Tom Fletcher, e uma palestra da presidente do CICV, Mirjana Spoljaric.

Oradores e painelistas – incluindo especialistas de formação humanitária, jurídica e militar – destacaram a necessidade de reforçar o cumprimento do Direito Internacional Humanitário (DIH), discutiram os desafios de implementação e incentivaram os esforços nacionais e multilaterais para uma melhor adesão. A presidente e a diretora jurídica do CICV, Cordula Droege, promoveram a Iniciativa Global sobre o Direito Internacional Humanitário, convidando todos os Estados a aderirem.

Com a presença de pelo menos 85 Estados membros, o diálogo registrou 63 pedidos de palavra, com 41 declarações proferidas ao vivo e outras sete apresentadas por via eletrônica. Todos reafirmaram a importância do DIH, enquanto 20 explicitamente acolheram com satisfação a Iniciativa Global sobre o Direito Internacional Humanitário.

A Jordânia falou em nome dos seis Estados que lançaram a iniciativa com o CICV (África do Sul, Brasil, Cazaquistão, China, França e Jordânia) e nove Estados anunciaram a sua intenção de aderir (Alemanha, Austrália, Áustria, Canadá, Finlândia, Liechtenstein, Luxemburgo, Países Baixos e Suíça, além do Reino Unido eletronicamente).

 

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